Estou aqui, com medo da segunda onda da covid-19, evito algumas coisas, como ir às confras de fim de ano, mas me nego a deixar de ir ao Sesi para minhas aulas de natação matinais, às 6 horas, às terças e quintas-feiras.
Isso porque, em primeiro lugar, a natação é o esporte que ainda consigo praticar com prazer e sem causar danos aos joelhos, castigados pelo vôlei e futebol ao longo de três décadas.
Segundo, porque é tempo de manga – entre os novembros e os dezembros – e esta é uma das coisas que mais sentiria falta se contraísse covid-19. Chego cedo ao Sesi, levo uma sacola de plástico no carro e, quando os portões se abrem às 6 horas, lá estou eu, estacionando o carro e indo para baixo dos pés de manga – são mais de 20 na mega estrutura do Serviço Social da Indústria no Novo Horizonte. Minhas preferidas são as pequenas mangas de cheiro, porque são mais saborosas, além da irresistível bacuri. De mesa? Sim, tem também por lá.
Leia mais:Mas também corro para os pés de manga para tentar tirar aquelas que estão “de vez” e ficam nos galhos mais baixos, à altura da mão da gente. Elas não ficam batidas da queda e a isso eu dou muito valor.
Abro um parêntese para dizer que sempre fiquei encabulado com a expressão “de vez”, que aprendi quando menino e a uso a torto e a direto para simbolizar a fruta que dá para comer com sal e pimenta do reino.
Recorri esta semana aos meus dicionaristas preferidos nestas horas para entender expressões “nada a ver” como esta. Iosnir Siqueira diz que a locução adjetiva “de vez” é um brasileirismo consagrado. Qualifica a fruta que está perto de amadurecer, mas ainda conserva algo de verde.
O Dicionário de Usos de Francisco Borba se estende um pouco mais: “Quase maduro, em tempo de colher, mas não de ser consumido”. O Aurélio se cala, infelizmente, mas a definição de Iosnir também é boa:… “naquele estado entre o verde e o maduro”.
Embora a origem da expressão seja menos clara que seu sentido, é provável que a chave esteja naquele “em tempo de colher” mencionado por Borba: “de vez” seria o que está na vez de ser colhido, a fim de aguardar o amadurecimento em segurança, longe do pé e das ameaças representadas por fenômenos atmosféricos, pássaros e moleques indomáveis.
(Borba só deixa de levar em conta, ao dizer que as frutas de vez ainda são impróprias para consumo, que não falta quem prefira sua consistência mais firme e seu sabor equilibrado entre o doce e o amargo).
Fechado o parêntese, explico que quando chego ao Sesi, logo cedo, tenho de fazer tudo muito rápido, em até cinco minutos, para colher mangas antes de meus concorrentes, pegar a raia preferida e ainda nadar, pelo menos, 1.300 metros. Se esperar a aula terminar, as mangas boas já se foram e restarão apenas as comuns, batidas, moles, que levo para casa também, sem sofrimento, porque delas eu faço um suco perfeito para o café da manhã, com bolo de mangulão ou cacetinho.
No sítio de Nenenzão, um amigo que cultivo lá para as bandas do Assentamento 1º de Março, o tempo de manga também é precioso e, no caso dele, não tira do pé nenhuma de vez e deixa todas caírem. Sua maior satisfação não é comer o fruto, em si, mas ver e ouvir os periquitos atolados na doçura da fartância nos galhos de suas mangueiras, que ajudam a espantar a solidão dos dias comuns.
Todos os anos ele espera uma segunda safra e me traz frutos maduros, mas quase sempre batidos, porque de vez, ele me diz, não dá para tirar, seu Ulisses, porque tenho os as curicas pra alimentar… (Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista do CORREIO há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira