Correio de Carajás

23% dos idosos do planeta viverão expostos ao calor extremo em 2050

Nos próximos 26 anos, até 246 milhões de pessoas, com mais de 69 anos, viverão em regiões de estresse térmico agudo, com sérios riscos à saúde. Habitantes da Ásia e da África sofrerão mais o impacto e podem não conseguir se adaptar, alerta estudo

As temperaturas globais batem recorde mês a mês, ao mesmo tempo em que as estimativas populacionais apontam um aumento de até 4,9 anos na expectativa de vida - (crédito: Vincent Corriveau/Unsplash)

Em menos de três décadas, 23% da população mundial acima de 69 anos estará exposta ao calor extremo, comparado a 14% registrado em 2020, alerta um estudo na Nature Communications. Partes das Américas do Sul e do Norte, do Sudeste da Ásia e toda a Austrália ficarão sob estresse crescente, situação em que a sensação térmica desfavorável atinge uma faixa etária cada vez mais envelhecida.

Os últimos 11 meses registraram recorde de calor, com a média da temperatura da atmosfera ultrapassando 1,5ºC, um nível considerado inseguro para a saúde humana. Ao mesmo tempo, estimativas populacionais indicam que, em 2050, a expectativa de vida aumentará 4,9 anos (homens) e 4,2 anos (mulheres). Os pesquisadores, do Eurocentro Mediterrâneo sobre Mudanças Climáticas (CMCC), alertam que as conclusões do estudo podem ajudar nas avaliações regionais de risco e na tomada de decisões.

Nas projeções globais do grupo, pode-se ver que, na região das Américas, os Estados Unidos terão o maior número de áreas sob estresse crescente. No Brasil, o litoral do Nordeste, do Sudeste e parte do Centro-Oeste estão na zona vermelha, que indica o aumento da população envelhecida, além do calor extremo.

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Na maioria dos países da África e do Sudeste Asiático, além da Índia, praticamente não haverá região que não se encaixe no conceito de estresse crescente. “As projeções indicam que os efeitos serão mais graves na Ásia e na África, que também podem ter as capacidades adaptativas mais baixas”, comenta Deborah Carr, professora de Sociologia na Universidade de Boston e coautora do estudo.

Adaptação

Os pesquisadores destacam que se prevê que o número de pessoas com mais de 60 anos duplique para quase 2,1 mil milhões até 2050, sendo que mais de dois terços estão justamente nos países de rendimento baixo e médio, onde os eventos extremos provocados pelas alterações climáticas são particularmente prováveis.

“O aumento da intensidade, duração e frequência das ondas de calor representa ameaças diretas à saúde física, com consequências especialmente graves para os idosos, dada a sua maior suscetibilidade à hipertermia e às condições de saúde comuns agravadas pela exposição ao calor”, destaca o artigo.

O físico e divulgador científico André Coelho, da plataforma Professor Ferreto, explica que a elevação da temperatura “apresenta desafios crescentes para a regulação térmica do corpo humano, desde a dificuldade em perder calor até situações críticas de recebimento de calor do meio”, destaca ele.

Em resposta, segundo o cientista, o corpo humano aciona a produção de suor como um mecanismo eficaz de resfriamento “Em ambientes úmidos, a eficácia da evaporação do suor é comprometida, agravando a situação em meio à onda de calor”, ressalta Coelho.

A cirurgiã vascular Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBVAC), esclarece que a temperatura alta favorece o processo de vasodilatação, no qual os vasos sanguíneos se dilatam e provocam uma sobrecarga nas veias dos membros inferiores. “O risco de problemas vasculares, como trombose, aumenta”, alerta.

Giacomo Falchetta, pesquisador da Universidade Ca’Foscari, de Veneza, e coordenador do estudo publicado na Nature Communications, observa que, apesar de numerosas pesquisas confirmarem os efeitos do calor extremo na população e na mortalidade, há pouca atenção sobre a exposição crônica à alta temperatura para diferentes faixas etárias. “Descobrimos, também, que entre 177 milhões a 246 milhões de adultos idosos poderão estar expostos ao calor agudo extremamente perigoso, é preciso que tomadores de decisões levem em consideração esses dados na elaboração de políticas públicas”, destaca.

Por que é pior?

  • A pele de uma pessoa idosa não produz suor e não resfria o corpo com a mesma eficiência que a de uma pessoa mais jovem;
  • O estresse térmico pode agravar as condições de saúde existentes, comuns em pessoas idosas, como diabetes, doenças renais e cardíacas. Muitas mortes por calor são registradas como ataques cardíacos;

A desidratação durante os períodos de calor pode afetar a função renal, além de afetar a pressão arterial dos idosos, aumentando a probabilidade de quedas;

  • O estresse térmico pode aumentar os níveis de açúcar no sangue mesmo em pessoas sem diabetes, mas é mais preocupante em pacientes com a doença;
  • Idosos com doenças crônicas tomam medicamentos regularmente. Alguns deles podem prejudicar a capacidade do corpo de regular a temperatura e tornar as pessoas mais suscetíveis ao estresse térmico;
  • O estresse térmico pode causar desorientação, confusão e delírio. Esse risco é mais pronunciado em idosos com problemas cognitivos e demência.

Asma e as crianças

Se, entre idosos, o estresse térmico é um risco potencial à saúde, crianças expostas ao calor extremo também sofrem mais do que a população jovem e adulta. Uma pesquisa apresentada na Conferência Internacional da Sociedade Torácica Norte-Americana em San Diego, na Califórnia, associa o aumento da temperatura à frequência elevada da procura por hospitais pediátricos devido a crises de asma.

“Descobrimos que tanto os eventos diários de alto calor quanto as temperaturas extremas que duraram vários dias aumentaram o risco de visitas hospitalares por asma”, diz o autor correspondente Morgan Ye, MPH, analista de dados de pesquisa e pesquisador da Universidade da Califórnia, em São Francisco (UCSF). “Compreender os impactos de eventos sensíveis ao clima, como o calor extremo, numa população vulnerável é a chave para reduzir o fardo das doenças devido às alterações climáticas”, acredita.

Os autores avaliaram os registros eletrônicos de saúde de 2017-2020 do Hospital Pediátrico da UCSF, que incluíam dados sobre visitas hospitalares de asma por pacientes. Os pesquisadores restringiram as análises à estação quente da região (junho a setembro). Para avaliar a gama potencial de efeitos de diferentes medições de ondas de calor, utilizaram 18 definições meteorológicas diferentes do fenômeno.

A equipe descobriu que as ondas de calor diurnas estavam significativamente associadas a chances 19% maiores de visitas hospitalares por asma infantil, e a duração mais longa do fenômeno dobrou as chances de consultas ao pronto-socorro. Já as noturnas não tiveram relação estatística.

“Continuamos a ver o aumento das temperaturas globais devido às alterações climáticas geradas pelo homem, e podemos esperar um aumento nos problemas relacionados com a saúde”, destaca Ye. “As crianças e as famílias com menor capacidade de adaptação sofrerão a maior parte do fardo. Portanto, é importante obter uma melhor compreensão destes riscos para a saúde associados ao calor e das populações suscetíveis para futura vigilância e intervenções direcionadas.”

(Fonte: Correio Braziliense)