Correio de Carajás

A arte pra “rir, chorar e refletir” de Mandie Gil

A ilustradora que vive em Parauapebas e acumula milhares de seguidores nas redes sociais

Artes, maquiagens, receitas, discussões político-sociais, tutoriais, dicas, gatos…. tem um pouco de muito no perfil de Amanda Gil Cardoso de Lima, ou apenas Mandie Gil, como é conhecida a criadora de conteúdo nas redes sociais que é moradora em Parauapebas, no sudeste do Pará, e possui 10,8 mil seguidores no Instagram e mais de 70 mil no Tik Tok. Ela acompanhou a expansão  dos perfis ao longo do último ano, quando passou a utilizá-los mais intensamente, principalmente divulgando o trabalho como ilustradora e criando tutoriais para outros artistas.

 

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Amanda é natural de Belém, capital do Pará. Quando criança desenhava mangás, mas na adolescência se entendeu “muito velha” para continuar e abandonou os traços, o que hoje entende como um erro. Graduou-se em Engenharia Civil enquanto trabalhava como maquiadora para pagar as contas. Nesta época, de certa forma, já criava conteúdos para a internet, principalmente tutoriais de maquiagem no youtube e em um blog.

Lembra que durante muito tempo o aplicativo do Instagram só era compatível para usuários de IOS. Quando finalmente teve acesso a um Iphone, em 2013, tentou criar um perfil como “Amanda Gil”, mas descobriu que já havia outra conta cadastrada com este nome. Optou, então, por usar Mandie, pronunciado com a sílaba tônica no e: “Mandiê”. Amanda só esqueceu de combinar isso com os seguidores.

“Apareceu a sugestão e eu odeio nome inglesado, então a ideia era a pronúncia não ser “Mendie”, mas hoje é porque eu não tenho controle sobre como as pessoas falam”, ri. A conta ainda é a única que mantém na plataforma, mas naquela época o conteúdo era muito mais pessoal e não tinha a fatia de perfil profissional que possui atualmente.

Ainda em Belém, Amanda namorava Yuri Andrade, também engenheiro civil. Ele foi aprovado em concurso público no município de Parauapebas e, em 2015, os dois embarcaram juntos rumo ao sudeste do Pará, onde ainda vivem. Era auge da crise de desemprego no município, o que deixou Amanda sem trabalhar. “Fiquei bastante tempo sem fazer nada e fui voltando a desenhar e pintar, sempre gostei dessa parte artística”, conta.

Algum tempo depois, começou a dar aulas em Engenharia Civil mesmo sem nunca ter lecionado oficialmente. “Perguntaram se eu dava aula e fui. Nunca tinha dado aula na vida. Na adolescência ensinava matemática, física e química, mas para as amigas da minha irmã. Tinha sido monitora na faculdade. Aí encarei e fiquei cinco anos dando aulas”, conta, garantindo que ninguém percebeu a inexperiência inicial.

Após algum tempo, os conteúdos da disciplina que ministrava já estavam organizados e bastava atualizá-los, o que ela conseguia resolver em um período do dia. As aulas eram à noite e, assim, lá por 2017, ainda sobrava algumas horas livres para Amanda.

“Foi aí que eu me dediquei à aquarela e também comecei a bordar, o que ajudou muito com a ansiedade. Antes os meus desenhos eram de lápis mesmo, mas nessa época já tinha noção de cores porque trabalhava como maquiadora e comecei a pintar em aquarela por Youtube. Aprendi tudo pela internet, tudo sozinha e de forma gratuita. Assistia 40 vezes e ia reproduzindo”, conta.

CRESCIMENTO

Amanda rompeu 2020 com 3 mil seguidores no Instagram. Logo a pandemia do novo coronavíus chegou e ela se afastou das salas de aula, começando a produzir conteúdo mais assiduamente enquanto dividia o tempo com o mestrado em Matemática que concluirá em breve.

“Consegui me dedicar mais e comecei a criar. O que bombou muito no ano passado foi que comecei a fazer tutoriais de um minuto. As pessoas estão ansiosas e não conseguem mais ver vídeos de 30 minutos. Os de um minuto não passam tudo, mas são vários publicados como pílulas de informação”, diz, dando como exemplo um vídeo no qual ensina a desenhar nariz.

Neste ínterim, as coisas deslancharam e o número de seguidores aumentou a cada dia. Amanda, inclusive, já é reconhecida quando anda por aí e lembra de pelo menos duas ocasiões, uma em São Paulo e outra em Curitiba, nas quais foi identificada nas ruas. No Tik Tok, diz, a dinâmica é um pouco diferente. Apesar de ser uma rede de alcance maior, a qualidade da interação é menor.

“É um tipo de gente que não tá muito educado, ainda, pra lidar com conteúdo na internet. Tem muito comentário ruim e errado, muita coisa que às vezes me deixa chateada”, diz, acrescentando que a comunidade da plataforma é muito jovem, formada principalmente por crianças e adolescentes. Mesmo assim ela não a abandonou. “Continuo criando, mas de maneira mais lenta porque me dá uma decepçãozinha. Tem gente muito legal e a gente recebe muito carinho lá, mas essa parte negativa me dá uma desanimada, diferente do Instagram, onde a gente recebe esse tipo de coisa, mas em escala bem menor”.

Enquanto a interação crescia, Amanda ganhou uma caixa de lápis aquarelado da também ilustradora Vanessa Ferreira, a Preta Ilustra, e começou a se abrir para novas técnicas, como a pintura de telas com tinta acrílica e a “incrível” descoberta do pastel oleoso, conforme ela mesma qualifica, após assistir uma oficina da professora Lara Dahas. O método de Amanda, ao comprar um novo material, é primeiro “brincar” com o produto para depois buscar aprender a técnica.

“É para ver o que que eu sinto porque se olho logo eu fico muito presa à técnica. Não que a técnica não seja importante, mas é muito legal a parte de fazer as coisas do teu sentimento, te descobrir. Às vezes tu usa material de uma forma que não é a convencional, mas funciona. Fundamento de desenho e de pintura é muito importante, mas não é só isso, tem emoção, tem sentimento envolvido, tem o que tu queres passar”, observa.

Atualmente, diz, o tablet tem sido o maior aliado, já que a ilustração digital poupa muito tempo na hora de gravar os processos que são um conteúdo bastante acessado nas redes. “Comecei com uma mesa digitalizadora, mas achava ruim porque a gente desenha nela e olha para a tela do computador, não consegui me acostumar. Quando consegui comprar o iPad foi que começou a fluir porque é uma tela, tem as ferramentas no aplicativo, tem as texturas que você consegue criar camadas, dá pra fazer uma coisa muito legal”, explica. Este acesso digital levou a artista a criar animações em 2D, por exemplo, no processo conhecido como rotoscopia.

FUTURO

O aumento de seguidores, de interações e o reconhecimento acendeu em Amanda o alerta sobre a dimensão que o trabalho dela estava tomando, o que a fez refletir profissionalmente sobre o assunto. A partir disso, a ilustradora já abriu empresa, para a qual separa caixa próprio, fechou parcerias em publicidade e investe em aperfeiçoamento.

Para as despesas pessoais, Amanda ainda utiliza a bolsa do mestrado, mas esta termina no meio deste ano e, após isso, pretende separar um salário a partir do trabalho desenvolvido junto às redes e entregando encomendas.

“Ano passado foi quando olhei e pensei que dava pra ter uma renda porque a que tive não é grandes coisas, mas pagou equipamento. Antes todas as minhas encomendas iam para a poupança, foi assim que eu juntei boa parte do caixa que tenho hoje, só que quando eu precisava eu pegava disso. Esse ano decidi converter tudo para a empresa, para reinvestimento”, diz.

Nesta semana, por exemplo, iniciou um curso voltado para criadores junto à respeitada YouPix, que presta consultoria de negócios para a economia da influência, após passar por processo seletivo e concorrer com 4 mil inscritos a uma das 60 vagas disponíveis.

A ilustradora pretende, também, começar a fazer lives de desenho na plataforma Twitch, um site de transmissão ocupado principalmente por gamers e que efetua pagamentos conforme o volume de audiência que recebe.

CONSCIÊNCIA POLÍTICO-SOCIAL

Nem só de tutorial artístico vive o perfil de Amanda, que se entrelaça com questões pessoais e com a atuação social. Mais que assunto do dia a dia, abordar temas sensíveis é uma decisão calculada desde quando decidiu trabalhar com redes sociais.

“Resolvi definir uma missão. Acho que tudo é político, nossa vida é política e se a gente olhar a história da arte, desde os primórdios, ela está sempre relacionada com questões socioeconômicas e políticas. Acho muito importante a gente trazer isso para dentro da arte porque, assim, consegue transformar uma coisa que normalmente é pesada em uma forma mais leve de ser discutida”, defende.

A missão em questão é “inspirar pessoas, através da arte, a promover reflexões acerca das nossas vivências políticas, femininas e sociais”. As mulheres, inclusive, são a maior parte do público dela e é com este grupo que Amanda busca dividir a própria vivência. “Não tenho como não falar disso”, diz, acrescentando que outros temas, além do feminismo, também são importantes.

A artista trata, por exemplo, de assuntos relacionados à comunidade LGBTI+, levando em consideração que ela, a irmã e outro familiar são diretamente afetados. O racismo também aparece bastante, pois é casada com um homem negro.

“Eu não tenho como estar à parte dessas discussões. Ocupo, na sociedade, um lugar de privilégio enquanto mulher branca, então acho que é importante falar sobre isso de forma que eu consiga fazer as pessoas entenderem”, afirma, defendendo a responsabilidade social de pessoas com voz. “Eu só falo de coisas que eu tenho consciência  que estão coerentes e pra isso tem muito estudo, muita leitura, muita conversa e muita escuta”.

Este posicionamento firme muitas vezes causa a perda de seguidores, ressalta, como quando postou uma tirinha criticando o presidente Jair Bolsonaro e 700 pessoas deixaram de segui-la. “Tem gente que reclama e tem gente que deixa de seguir. Algumas reclamam, mas ficam e acho importante porque estas estão abertas a ouvir. As que foram embora, já foram e não acrescentam em mais nada. Apesar disso, no geral, no Instagram, a interação é mais de gente apoiando que o contrário”, finaliza. (Luciana Marschall)