Uma em cada três universidades federais do País já investigou a matrícula de estudantes por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais. É o que mostra um levantamento do Estado nos processos administrativos instaurados pelas instituições, todos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A maior parte das denúncias vem de movimentos negros. Para reduzir as fraudes, o governo federal quer formatar uma comissão para orientar análise visual dos alunos.
Das 63 federais no País, 53 responderam aos questionamentos. No total, há 595 estudantes investigados em 21 instituições de ensino. A maioria já teve a matrícula indeferida, mas parte conseguiu retornar aos estudos por liminares, contrariando as decisões administrativas.
Os acusados alegam que tiveram poucas informações sobre o indeferimento. “Eu me senti um lixo, sendo analisada pela aparência, como um objeto. Achei que haveria pelo menos uma entrevista. Acredito que tem fraudadores mesmo, mas no edital que participei era autodeclaração. Eu não fraudei nada”, diz uma aluna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que buscou advogada para manter a vaga.
Leia mais:Mas nos documentos analisados foram encontrados estudantes que se autodeclararam quilombolas mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade e alunos acusados por movimentos negros de serem brancos. O caso mais comum, no centro da polêmica, é o dos pardos, que muitas vezes são identificados – e denunciados – como “socialmente vistos como brancos” e, portanto, não deveriam utilizar o sistema, segundo os movimentos sociais.
Pelo mapeamento, cursos mais concorridos são o principal alvo de denúncias. Os mais recorrentes são Medicina e Direito, com casos em praticamente todas as instituições que têm ou já tiveram alguma sindicância. Com o surgimento cada vez mais frequente de denúncias, feitas principalmente por movimentos negros e pelos próprios colegas, parte das instituições começou a criar comissões de aferição da autodeclaração de raça feita pelos alunos. Mas a falta de padrão criou distorções.
Por isso, o governo do presidente Michel Temer decidiu reativar um grupo de trabalho, encabeçado pelo Ministério de Direitos Humanos e incluindo secretarias do Ministério da Educação e da Fundação Nacional do Índio (Funai), que deve finalizar um documento para dar base a comissões de aferição de autodeclaração da etnia dos estudantes em todas as universidades federais do País. Hoje, só parte das instituições faz esse procedimento.
O Estado apurou que o modelo que está sendo desenhado pelo governo federal prevê bancas com cinco pessoas, formadas de maneira diversificada tanto em gênero quanto em etnia dos avaliadores. Só novos alunos seriam avaliados, antes da matrícula, e o único critério seria a aparência do candidato. “O fenótipo (aparência) deve ser o primeiro aspecto a ser considerado. A questão do racismo no Brasil é de marca, e não de origem. As pessoas são reconhecidas socialmente enquanto negras pelos traços fenotípicos”, avalia Juvenal Araújo, secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão vinculado ao Ministério de Direitos Humanos (MDH).
A Universidade de Brasília (UnB) foi pioneira no método de aferição. Também primeira federal a utilizar cotas, em 2004, na instituição o candidato era fotografado e seu pedido de inscrição, com a foto, era analisado por uma comissão – que fazia a homologação. Este método deixou de existir a partir de 2013, quando entrou em vigor a lei federal que pedia somente a autodeclaração do estudante.
Debate
Entre os especialistas, não há consenso sobre as comissões. “Pode criar uma espécie de tribunal racial, no qual a população negra estaria, mais uma vez, alijada das decisões sobre a própria identidade e pertença. Quem comporia essas comissões? Quais seriam os critérios para a escolha dos homens e mulheres que decidiriam quem é ou não negro no Brasil?”, indaga a professora Inaê Santos, da Fundação Getulio Vargas-Rio e do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV).
Já o especialista em ações afirmativas Frei David Santos diz que é essencial combater fraudes. “Essas práticas criminosas precisam ser atacadas exemplarmente, para garantir que os reais destinatários da medida sejam contemplados.”
Para entender: metade para o ensino público
A Lei 12.711/2012, sancionada em agosto de 2012, garante 50% das matrículas por curso e turno em todas as universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos que estudaram integralmente no ensino médio público, seja em cursos regulares ou Educação de Jovens e Adultos (EJA). O restante das vagas fica para ampla concorrência.
As vagas reservadas são subdivididas. Metade fica para alunos de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita e a outra metade para alunos de escola pública com renda familiar superior a 1 salário mínimo.
Há ainda uma porcentagem mínima correspondente à soma de pretos, pardos e indígenas (PPI) no Estado, que considera o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio Grande do Sul, por exemplo, que registrou 15,6% de sua população como PPI, deve-se registrar essa quantidade nas cotas em todas as universidades federais para esta população.
(Estadão)
Uma em cada três universidades federais do País já investigou a matrícula de estudantes por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais. É o que mostra um levantamento do Estado nos processos administrativos instaurados pelas instituições, todos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A maior parte das denúncias vem de movimentos negros. Para reduzir as fraudes, o governo federal quer formatar uma comissão para orientar análise visual dos alunos.
Das 63 federais no País, 53 responderam aos questionamentos. No total, há 595 estudantes investigados em 21 instituições de ensino. A maioria já teve a matrícula indeferida, mas parte conseguiu retornar aos estudos por liminares, contrariando as decisões administrativas.
Os acusados alegam que tiveram poucas informações sobre o indeferimento. “Eu me senti um lixo, sendo analisada pela aparência, como um objeto. Achei que haveria pelo menos uma entrevista. Acredito que tem fraudadores mesmo, mas no edital que participei era autodeclaração. Eu não fraudei nada”, diz uma aluna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que buscou advogada para manter a vaga.
Mas nos documentos analisados foram encontrados estudantes que se autodeclararam quilombolas mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade e alunos acusados por movimentos negros de serem brancos. O caso mais comum, no centro da polêmica, é o dos pardos, que muitas vezes são identificados – e denunciados – como “socialmente vistos como brancos” e, portanto, não deveriam utilizar o sistema, segundo os movimentos sociais.
Pelo mapeamento, cursos mais concorridos são o principal alvo de denúncias. Os mais recorrentes são Medicina e Direito, com casos em praticamente todas as instituições que têm ou já tiveram alguma sindicância. Com o surgimento cada vez mais frequente de denúncias, feitas principalmente por movimentos negros e pelos próprios colegas, parte das instituições começou a criar comissões de aferição da autodeclaração de raça feita pelos alunos. Mas a falta de padrão criou distorções.
Por isso, o governo do presidente Michel Temer decidiu reativar um grupo de trabalho, encabeçado pelo Ministério de Direitos Humanos e incluindo secretarias do Ministério da Educação e da Fundação Nacional do Índio (Funai), que deve finalizar um documento para dar base a comissões de aferição de autodeclaração da etnia dos estudantes em todas as universidades federais do País. Hoje, só parte das instituições faz esse procedimento.
O Estado apurou que o modelo que está sendo desenhado pelo governo federal prevê bancas com cinco pessoas, formadas de maneira diversificada tanto em gênero quanto em etnia dos avaliadores. Só novos alunos seriam avaliados, antes da matrícula, e o único critério seria a aparência do candidato. “O fenótipo (aparência) deve ser o primeiro aspecto a ser considerado. A questão do racismo no Brasil é de marca, e não de origem. As pessoas são reconhecidas socialmente enquanto negras pelos traços fenotípicos”, avalia Juvenal Araújo, secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão vinculado ao Ministério de Direitos Humanos (MDH).
A Universidade de Brasília (UnB) foi pioneira no método de aferição. Também primeira federal a utilizar cotas, em 2004, na instituição o candidato era fotografado e seu pedido de inscrição, com a foto, era analisado por uma comissão – que fazia a homologação. Este método deixou de existir a partir de 2013, quando entrou em vigor a lei federal que pedia somente a autodeclaração do estudante.
Debate
Entre os especialistas, não há consenso sobre as comissões. “Pode criar uma espécie de tribunal racial, no qual a população negra estaria, mais uma vez, alijada das decisões sobre a própria identidade e pertença. Quem comporia essas comissões? Quais seriam os critérios para a escolha dos homens e mulheres que decidiriam quem é ou não negro no Brasil?”, indaga a professora Inaê Santos, da Fundação Getulio Vargas-Rio e do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV).
Já o especialista em ações afirmativas Frei David Santos diz que é essencial combater fraudes. “Essas práticas criminosas precisam ser atacadas exemplarmente, para garantir que os reais destinatários da medida sejam contemplados.”
Para entender: metade para o ensino público
A Lei 12.711/2012, sancionada em agosto de 2012, garante 50% das matrículas por curso e turno em todas as universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos que estudaram integralmente no ensino médio público, seja em cursos regulares ou Educação de Jovens e Adultos (EJA). O restante das vagas fica para ampla concorrência.
As vagas reservadas são subdivididas. Metade fica para alunos de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita e a outra metade para alunos de escola pública com renda familiar superior a 1 salário mínimo.
Há ainda uma porcentagem mínima correspondente à soma de pretos, pardos e indígenas (PPI) no Estado, que considera o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio Grande do Sul, por exemplo, que registrou 15,6% de sua população como PPI, deve-se registrar essa quantidade nas cotas em todas as universidades federais para esta população.
(Estadão)