Correio de Carajás

O ‘japonês’ que recriou vitória-régia em Marabá

O primeiro lago a receber a espécie foi construído na UEPA, outro em uma escola na Vila Cajazeira e o próximo será na 23ª Brigada de Infantaria de Selva

“Japonês” Luiz Ogata tem 80 anos de idade, mas permanece ativo e trabalhando com novas experiências em Marabá

Ainda que seja uma planta aquática nativa da região Amazônica, a bela vitória-régia não é encontrada pelas águas dos rios de Marabá e região. Provavelmente, nunca foi vista pela maioria dos moradores da cidade. Quem mudou o curso dessa história foi Luiz Ogata (o ‘Japonês’), agrônomo que há quatro reproduz o espécime em lagos artificiais aqui, dentro da cidade marabaense.

“Eu achava um tapa na cara o brasileiro sair daqui e conhecer a vitória-régia em Nova York, no Japão, ou em outro lugar, sendo que ela é nativa da Amazônia”.

Foi esta uma das razões que levaram o nosso “Japonês” a pesquisar e trabalhar com afinco para reproduzir a vitória-régia em Marabá.

Leia mais:

Conhecida por ser uma das maiores plantas aquáticas do mundo – chegando a 2,5 metros de diâmetro – e apesar de ser nativa da Amazônia, ela só é naturalmente encontrada em locais específicos, do médio Amazonas (rio) para cima. Nas regiões do baixo Amazonas, como Marabá, ela não é comum. Daí, a importância do feito do Japonês.

Tranquilo, paciente e com um jeito sereno de falar, Luiz conversou com o Correio de Carajás, dando uma verdadeira aula, não só sobre a planta, mas também sobre conservação e conscientização ambiental. Sua genialidade e laboriosidade nos fazem pensar que Luiz Ogata tenha 60 anos de idade, mas já cravou oito décadas de vida.

TENTANDO REPRODUZIR A RAINHA

“Ela não é fácil de mexer, é complicada, pelo menos até agora”, detalha Luiz Ogata.

A planta, que tem nome majestoso, é melindrosa. A vitória-régia gosta de água com PH baixo e germina em locais quentinhos. Até mesmo o seu processo de reprodução é delicado. Foram essas características, essenciais, que dificultaram a jornada do Japonês em busca da reprodução dessa espécie.

Mesmo estudando toda a literatura disponível sobre ela, Ogata só aprendeu a lidar com a planta aquática após falhar em suas tentativas isoladas de procriá-la. “Eu sozinho até consegui, mas apodrecia e morria”, relembra.

Luiz conta que chegou a comprar folhas, já floridas, de um fornecedor em São Paulo, mas elas não resistiam e pereciam durante a viagem.

Foi então que a Universidade Estadual do Pará (UEPA) entrou em cena e mudou o jogo. A instituição é o local onde Valdirene Souza Cunha Ogata, esposa de Luiz, concluiu a faculdade de Ciências Naturais, Habilitação em Química. Seu desejo era deixar um legado para a instituição.

O que a princípio era uma parceria para o projeto de paisagismo do ‘Ecobosque’ no campus marabaense da universidade, logo se transformou na oportunidade para reprodução da planta. Mírian Rosa Pereira, professora da UEPA e a turma de 2019 do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas foram os parceiros do Japonês na realização da empreitada.

“Nós resolvemos fazer o paisagismo e orientamos sobre como fazer o lago (que mede seis metros de diâmetro e 80 centímetros de profundidade). Foi aí que conseguimos a verba para trazer a vitória-régia e a cultivarmos aqui”, rememora Luiz.

Tendo aprendido com o erro anterior, no que diz respeito ao transporte da planta, uma nova estratégia foi utilizada. Um estudante da UEPA recebeu a missão de ir até Belém para pegar uma pequena muda da planta e trazê-la para Marabá. Feito concluído com sucesso.

Na entrada do Campus da UEPA, Luiz Ogata construiu um lago artificial, onde conseguiu reproduzir as belas vitórias-régias

BRANCA E COR-DE-ROSA

A reprodução de uma planta só é possível com a polinização. Na natureza, os insetos polinizadores são os responsáveis por realizar essa tarefa. Mas por não ser nativa de Marabá e região, a vitória-régia não tem seu fecundador natural por aqui.

Essa foi mais uma peça que Luiz Ogata teve que encaixar no quebra-cabeça. E para resolver o enigma, ele lembrou que o pólen é um material resistente e que a polinização pode ser feita de maneira diferente do natural.

Ele conta o exemplo dos produtores brasileiros de pera, que importam pólen do Japão, um feito que dentre outras coisas, sinaliza que esse ‘pózinho’ não é perecível.

“Aí eu coletei o pólen, guardei na geladeira, e quando abriu a flor fêmea, eu fui lá e fiz polinização. Foi onde deu certo”, comemora.

Quando acontece conforme a lei da natureza, a vitória-régia (entre março e julho) produz uma flor branca, ‘fêmea’, que abre apenas à noite. Ela se fecha pela manhã e na segunda noite desabrocha novamente, mas dessa vez é cor-de-rosa e ‘macho’.

Em um ecossistema com diversas plantas, o besouro polinizador pousa na flor rosa e repousa nela durante a noite. Na seguinte, o inseto vai em busca da flor branca, levando o pólen.

Foi esse processo natural que Ogata conseguiu reproduzir de maneira artificial.

PROCRIANDO A MAJESTADE

As vitórias-régias plantadas no lago da UEPA, só alcançaram seu brilho majestoso há pouco mais de um ano.

“Para colocar a vitória-régia aqui nesse lago nós apanhamos muito. Não é só jogar lá e pronto, ficou bonito”. Luiz Ogata sorri ao contar que nas primeiras tentativas, a planta foi colocada na água, mas a folha logo começou a minguar.

Ao contrário do que acontecia no lago construído na casa de Ogata, que naquela época já era mais propício para a reprodução da vitória-régia, no da UEPA as folhas não cresciam e nem ficavam bonitas.

Nutrientes, qualidade da água, nível de PH, são os detalhes que influenciam na vida da planta. O lago artificial construído para receber a majestade é feito de cimento, material rico em calcário. O mineral deixa a água alcalina e aumenta seu PH.

Para corrigir essa circunstância foi necessário deixar a água mais ácida. “Usamos estrume, que é altamente acidulante, também enxofre em pó, essas coisas. Não é muito recomendável, mas nós utilizamos”, detalha Ogata. Com esse aprendizado, e correção dos problemas, o resultado foram as belas folhas de vitória-régia espalhadas pelos seis metros do lago, que estão logo na entrada do Campus da UEPA na Agrópolis do Incra, em Marabá.

Diante de todo o esforço para replicar a planta em solo marabaense, uma das vontades de Ogata era despertar o interesse dos estudantes sobre a água e sua conservação.

“Nós temos um grande problema no mundo inteiro. Precisamos de água para consumo, agricultura, para o nosso dia a dia”. Em tom de urgência, ele falou para a equipe do Correio de Carajás que esse tema precisa ser estudado com mais afinco pelas universidades e pela ciência, pois a água é essencial para a nossa sobrevivência.

Agora, a próxima missão de Ogata é plantar a vitória-régia em um lago localizado em um dos quartéis da 23ª Brigada de Infantaria de Selva.

  

Da Guerrilha do Araguaia ao amor por uma marabaense

Luiz Ogata tem suas raízes fincadas no Brasil e no Japão. Este último é, inclusive, o local para onde ele pretende retornar após sua aposentadoria, que irá acontecer em breve.

Ele nasceu na cidade de Suzano, em São Paulo. Para o Correio de Carajás ele revelou que se formou em diversos cursos, mas o seu preferido é a Agronomia.

Ele é ex-militar do Exército Brasileiro, tendo ingressado na instituição em 1964, na escola do Rio de Janeiro. E foi através da carreira militar que ele chegou a Marabá, no final da década de 1960.

Na época, ele veio para realizar um levantamento nas matas da região, por conta da Guerrilha do Araguaia. Sua base foi na cidade de São Geraldo, mas ele chegou a visitar Marabá em 1968 e até dormiu em um barco no antigo cais, na beira do Rio Tocantins.

“Lembro do pessoal descarregando castanha, essas coisas. Tinha muito depósito de castanha na orla”, relembra.

Seu caminho cruzou com o da cidade algumas décadas depois, em Goiânia, quando conheceu Valdirene Souza Cunho. Ambos trabalhavam em floriculturas rivais. Os opostos se atraem e eles resolveram casar e passaram alguns anos morando no Japão, onde aprenderam muito sobre floricultura e jardinagem. Desde 2004, o casal reside em Marabá.

Oásis no Belo Horizonte

Os olhares de quem passa pela Rua Vitória-régia, no Belo Horizonte, Núcleo Cidade Nova, na maioria das vezes não captura a beleza guardada por trás do letreiro simples, que sinaliza o nome da ‘Floricultura e Viveiro Himawari’. Ao adentrar no espaço, o visitante é transportado para um lugar paralelo, diferente da realidade da cidade.

É um empreendimento familiar, liderado por Luiz Ogata, sua esposa Valdirene Souza Cunha Ogata e a cunhada Vandira Cunha Arrais. Por lá, quase tudo é biodegradável e quase nada de defensivos químicos são utilizados.

A Floricultura e Viveiro Himawari cultivam suas plantas de maneira sustentável, reutilizando o máximo de materiais possíveis e produzem o próprio substrato, que é utilizado em novas plantações.

“A gente tritura (os restos) e depois levamos para a Velha Marabá. Deixamos amontoados três, quatro meses, com serragem, esterco. Utilizamos como substrato nos vasos, adicionamos adubo químico, calcário e vermiculita em nossas plantas”, detalha Luiz.

As irmãs Vandira Arrais e Valdirene Ogata, tendo ao centro a repórter Luciana Araújo, que ganhou um buquê de flores

E, como não poderia ser diferente, o viveiro tem nome de planta. Himawari é a palavra japonesa para girassol, a planta preferida de Valdirene e foi por um pedido dela, que o local foi criado.

O primeiro empreendimento foi aberto na Velha Marabá, logo após o casal retornar do Japão. No país asiático, ele morou 20 anos e ela 15, e foi lá que eles aprofundaram os estudos sobre plantas, jardins e paisagismo.

Ainda que o objetivo inicial fosse trabalhar para juntar dinheiro e abrir seu negócio no Brasil, Luiz conta que o mais importante foi todo o aprendizado adquirido naquele país.

“Lá nós não visamos somente a parte financeira, porque o que eles têm para nos oferecer é mais que dinheiro. Isso nós trouxemos pouco, mas muito conhecimento”, afirma.

(Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)