Correio de Carajás

Menino morto na vila tinha medo de seu algoz de 13 anos

Mãe da vítima afirma que havia dado, no dia do assassinato, roupa e sacola de peixe para um dos menores que confessaram o ato infracional

Sob forte comoção, foi sepultado na tarde desta sexta-feira (18), em Marabá, o corpo de Júlio Henrique de Miranda da Silva, de apenas 5 anos, morto por um adolescente de 13 anos e duas crianças de 9 e 11 anos na última quarta-feira (16), na Vila Capistrano de Abreu, zona rural. O envolvido mais velho está apreendido e os dois mais novos foram encaminhados ao Conselho Tutelar.

A mãe da vítima, Miriam Brito de Miranda, concedeu entrevista ao Correio de Carajás durante o velório. Bastante abalada, relatou os detalhes do último dia ao lado do filho e as horas de desespero entre o desaparecimento dele e a localização do corpo, arremessado em uma grota. Religiosa, falou também sobre o perdão aos envolvidos e a relação com um dos menores.

Júlio Henrique desapareceu por volta das 14 horas de quarta e o corpo só foi encontrado na manhã seguinte, quinta (17), pela mãe e uma tia. “Amarraram ele com os fios de carregador, ele tá todo cortado, nas costas, tava muito frio. Era um laguinho, água muito suja, muito mato”, diz.

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A família e moradores da vila haviam seguido até a madrugada em busca da criança, mas devido à escuridão não conseguiram localizá-la. “Eu já sabia que Deus tinha recolhido meu anjinho. Na madrugada eu pedi que se meu filho estivesse morto que ele me desse a oportunidade de velar o corpo, de encontrar o corpo e velar, e que confortasse meu coração e me desse forças”.

Miriam conta que o filho era caseiro e não saía de casa sem pedir permissão. Na quarta, o irmão dele, de 9 anos, o levou para casa depois da creche e seguiu para a aula de reforço. O menino então recebeu almoço da mãe e depois deitou ao lado dela, enquanto assistia desenho em um celular. “Ele sorrindo olhou pra mim e eu fiz um topetezinho nele e dei um beijo na testa. Deus deu oportunidade de me despedir. Ele ficou fazendo um cafuné na minha cabeça e assistindo o desenho”.

Quando o celular descarregou, ela se levantou e foi à casa da cunhada, de onde conseguia visualizar a própria moradia, fazer um favor. Neste tempo, relata, Henrique encheu os bolsos de bolinhas de gude e ficou pela casa onde moravam. Pouco depois, ele foi até onde a mãe estava, ficou um pouco no local e saiu de novo. Foi a última vez que os dois se viram.

Ao retornar para casa e não encontrar o filho, Miriam imaginou que ele estava na residência de um amigo, que mora próximo e onde havia passado a tarde anterior brincando. Ela afirma ter estranhado o fato de ele não avisá-la, o que era incomum, mas também não achou que houvesse algum problema. “Se eu tivesse ido lá ver e ele não estivesse eu já sairia procurar porque ele não ia em outros lugares. Poderia ter pegado eles no flagrante e encontrar ele ainda vivo”, lamenta.

Mais tarde, por volta das 17 horas, ela mostrava joias para uma vizinha quando esta perguntou da criança. Miriam então achou por bem ir na casa do amiguinho e se assustou ao descobrir que o menino não estivera lá.

Ao sair procurando por Henrique, ela chegou a ver um dos envolvidos no crime agachado em frente à casa dele, molhado. “Ele me olhou e eu senti algo estranho. Saí procurando e ele me viu passando, mas não falou nada”, relembra.

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MEDO

Miriam conta que o Henrique tinha medo deste menino. “Ele ficava brincando de pegar meu filho, que dizia: ‘mãe, o (…) quer me pegar, mãe’. Meu filho morria de medo dele”. Conforme ela, o filho mais velho dela, irmão de Henrique, costumava se desentender com o menino em questão. As desavenças entre eles chegaram a provocar o envolvimento do marido dela.

“Tempos atrás ele tinha ameaçado eu, meu marido e meu filho. Eu falava as coisas pra mãe dele e ela achava normal, ela nunca gostou que falassem mal do filho dela. Certo dia, meu marido segurou ele, aqui na esquina, pela camisa, e mandou ele parar de mexer com meu outro filho, o maior”, afirma.

A mãe acha que a criança menor pode ter pagado com a vida pelas brigas entre o irmão e o outro menino. “Acho que foram acumulando as raivas do meu filho mais velho ficar caçando conversa com ele. Sei que ele foi maltrato na infância, eu conversava bastante com ele (menino apreendido)”, afirma.

Após a situação envolvendo o marido dela, o menor chegou a frequentar a casa da família. “Ele falava que não tinha medo de mim, que não tinha do meu marido. No meu aniversário do ano passado chamei ele, dei carne assada pra ele e refrigerante, sempre ajudei em alguma coisinha pra ele e pra mãe dele”, relata.

PERDÃO

Na manhã de quarta, conta Miriam, o menino de quem Henrique tinha medo esteve na casa dela, onde pegava água no poço. “Eu dei uma sacola de peixe pra mãe dele e uma muda de roupa. Eu tinha dó da condição da mãe dele. Ele pegou a roupa da minha mão e me olhou com aquele olhar, eu senti alguma coisa, mas não passava pela minha cabeça…”, disse.

Ela diz perdoar as crianças e o adolescente e que gostaria de encarar o menor que era conhecido dela. “O povo tá revoltado e diz que se ele voltar lá vai linchar ele. Eu não quero isso. Quero que ele fique num lugar onde ele possa mudar e eu o perdoo (…). Eu falava com a mãe dele, cansei de dar prato de comida pra ele. Eu queria estar cara a cara com ele pra perguntar por que ele fez isso com o meu filho, por que descontou tudo no meu filho”.

(Luciana Marschall e Thays Araújo)