Correio de Carajás

As múltiplas vivências de uma mulher leitora

“A leitura é, provavelmente, uma outra maneira de estar em um lugar”, José Saramago

Apesar de eclética em seus gostos literários, Aline afirma que ao entrar em uma livraria, busca primeiro por romances/Fotos: Evangelista Rocha

Em um dos livros da saga ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’, o escritor George R. R. Martin diz que: “Um leitor vive mil vidas antes de morrer, o homem que nunca lê vive apenas uma”. Em um país onde seus habitantes leem em média quatro livros por ano, Aline Pinheiro, professora, mãe e leitora, figura entre aqueles que acumulam centenas de vivências em sua bagagem literária.

O Correio de Carajás bisbilhotou as páginas da vida de Aline e mergulhou em suas múltiplas faces. A entrevista é uma celebração ao 29 de outubro, o Dia Nacional do Livro.

Esta data marca a fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, localizada no Rio de Janeiro, quando a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para a colônia, em 1810.

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“Sou uma mulher feminista, sou mãe, sou leitora, sou questionadora do mundo. Ainda estou me construindo e me tecendo”, compartilha a professora ao responder para a reportagem sobre quem ela é.

Ainda que se defina, essencialmente, como alguém que lê, Aline é a representação do termo “escrivivência”, cunhado por Conceição Evaristo (escritora mineira comprometida com a condição da mulher negra em uma sociedade marcada pelo preconceito).

A palavra, que está fora do dicionário formal, mas que é um verbete assíduo entre os estudiosos de literatura, é traduzida como “a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta”.

E é exatamente em meio aos livros que a leitora cunha a sua existência.   

“Eu não seria a Aline que eu sou hoje, que todas as pessoas conhecem como professora, como amiga, como mulher, como filha, como irmã, se não fosse por meio da leitura. Ela é a responsável por quem eu estou construindo”.

Com uma infância vivida em meio aos contos de fadas clássicos, como João e Maria e Chapeuzinho Vermelho, e uma adolescência marcada pela escrita de diários, foi na universidade que a literatura fincou raízes profundas em Aline.

“A leitura me transforma e me atravessa de uma maneira muito maior quando eu entro na academia (universidade) e começo a, realmente, não ser apenas uma leitora, mas ser uma leitora crítica”.

Atualmente se reconhecendo como comunicadora, Aline enveredou pelos caminhos do curso de Letras Português, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Mas antes de tomar essa decisão, sua vontade latente era pelo Jornalismo.

Naquela época apenas o campus de Belém oferecia essa faculdade e como a família não tinha condições de enviá-la para lá, a professora acatou o conselho da mãe e entrou na faculdade de Letras.

“Eu vou me construindo e desconstruindo ao mesmo tempo, diariamente e esse processo se dá efetivamente por conta dos livros. Isso muda tudo, inclusive a minha visão de mundo e o meu comportamento diante das minhas leituras”.

Seu amor pela literatura pesou na decisão, mas na universidade ela descobriu uma outra vertente do curso, a linguística, e se apaixonou. O trabalho de conclusão (TCC) foi pautado nesse contexto e somente na pós-graduação Aline retomou seu primeiro amor, a literatura, e voltou a estudá-la.

“Esse (re)encontro deu um namoro, um casamento e eu diria que é a relação mais duradoura que eu tenho”.

CONVERSA DE BOTÕES

No último sábado de cada mês, às 17 horas, a Secretaria Municipal de Cultura de Marabá realiza em sua conta no Instagram uma “live-encontro” do clube do livro “Conversa de Botões”.

Mediado por Aline Pinheiro, o projeto recebe leitores de todos os tipos: adultos e crianças, homens e mulheres, quem leu um livro por inteiro ou apenas um conto.

Para Aline, o Conversa de Botões é uma forma de instigar pessoas a lerem mais livros

Nascido durante a pandemia de covid-19, o “Conversa de Botões” tem como propósito a promoção da leitura. “A gente sabe que em algum momento nós vamos tocar alguém e eu acho que de alguma forma a gente atravessa as pessoas”, descreve Aline.

Ainda que as restrições pandêmicas tenham cessado, os encontros do clube permanecem on-line. Uma maneira de compartilhar experiências com pessoas de diversos lugares, do mundo inteiro.

“E também porque quando a gente salva aquela live no Instagram, alguém pode assistir em outro momento e acho que isso é democrático. Essa partilha de uma leitura, que uma pessoa traga a sua experiência de leitor ou leitora e deixe ali registrado. Acho que isso é legal da tecnologia, das redes sociais, essa possibilidade de acesso a todo momento e de qualquer lugar”.

Através da leitura de uma obra ficcional, os ganchos com a realidade atravessam as vivências humanas, medita Aline. Os livros mostram coisas que muitas vezes não vemos e não refletimos, mas que são reais. 

E é como diz uma frase, de autoria desconhecida: “Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas e as pessoas mudam o mundo”.

Ao final da conversa com o CORREIO, como não poderia ser diferente para uma leitora ferrenha, Aline deixa uma recomendação de leitura – depois de muito ponderar a escolha – e alega que o livro “Minha história das mulheres”, de Michelle Perrot, todo mundo tem que ler. (Luciana Araújo)