Correio de Carajás

Dia do Índio: Indígenas ainda lutam por direitos históricos

Faltando dois dias para as comemorações do Dia do Índio, celebrado nesta quinta-feira (19), o presidente Michel Temer exonerou Franklimberg Ribeiro de Freitas do cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio. A decisão tomada pelo Governo Federal na última terça-feira (17), após pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional, já foi publicada no Diário Oficial da União e a previsão é que o gestor demissionário da Funai deixe a posição até a próxima semana. A exoneração acontece em meio à Semana do Índio ou Abril Indígena, evento realizado em Brasília durante todo este mês com o intuito de dar visibilidade a questão dos povos indígenas do País.

Franklimberg ocupava a presidência da fundação desde janeiro de 2017, é militar e de origem indígena. No início da semana, ele havia declarado à Agência Brasil que o órgão federal precisava de mais orçamento e servidores para dar conta das demandas. A queixa tem base, uma vez que em março do ano passado Temer havia determinado a extinção de 347 cargos comissionados da Funai e várias unidades foram fechadas no país.

Para estudiosos e conhecedores da causa indígena, o Governo Federal vem realizando ataques aos direitos desses povos e defendendo um modelo de “desenvolvimento” contrário aos direitos da massa remanescente de etnias em várias regiões.

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“O que a gente observa é uma nova relação que se está tendo entre o Estado Brasileiro e as populações indígenas. Não é de agora, na verdade já tem um considerável período que esses ataques estão acontecendo, junto àquilo que a sociedade em geral compreende como um entrave ao desenvolvimento. E os indígenas estão no espaço compreendido como um dos mais ricos, dentro de um contexto histórico de exploração, de um desenvolvimento que o Brasil compreendeu para si”, explica Eric de Belém, ex-coordenador da unidade Baixo Tocantins da Funai, com sede em Marabá.

#ANUNCIO

Ele observa que existem duas compreensões de desenvolvimento no país que vem se chocando nos últimos tempos. Uma, representada pelas grandes empresas e pelo governo; e a outra pelos indígenas. “Só que ocorre um desnivelamento, porque o poder que os indígenas têm para combater esse Estado Brasileiro, por meio das instituições que têm o papel de defendê-los, acaba por legitimar a agressão a esses direitos. Isso já tem se intensificado desde 2012, mas agora se agravou com as medidas adotadas pelo governo Temer, que representam uma afronta aos direitos, chegando a proporções extremas de assassinatos cometidos por jagunços, grileiros e madeireiros dentro das áreas indígenas”.

Enfraquecimento

Segundo Eric, que trabalhou 14 anos na Funai em Marabá, as próprias instituições federais criadas para defender os interesses desses povos vêm sendo enfraquecidas, usando como exemplo o último corte de mais de 300 servidores realizado na fundação. O cargo de coordenador regional que ele ocupava foi um deles, deixando a unidade local um ano inteiro sem representante.

Apenas no último mês, José Ricardo Tortore foi nomeado para assumir a coordenação de Marabá. Eric também disse ter estranhado a demora na nomeação, porque a região é marcada por conflitos e visada para receber grandes projetos e empreendimentos.

“Se formos analisar o último concurso da Funai, você se depara com um número pífio de vagas ofertadas, dentro de um órgão que já estava com uma carência enorme, não só de pessoal, mas também de estrutura e recursos”, revela. Em Marabá, cerca de 8 a 12 servidores, de um total de pouco mais de 30 funcionários, foram dispensados.

E na região, as Coordenações Técnicas Locais (CTLs) foram todas fechadas. “Àquelas comunidades que já eram atendidas de forma precária tiveram as CTLs fechadas, ou seja, a nova relação do Estado com esses povos é que, a partir desse momento, eles têm que se virar”, declara.

De acordo com ele, embora os indígenas tenham autonomia e o papel tutelar sobre eles não seja necessário desde a Constituição de 1988, esse quadro não isenta os governos brasileiros de cumprir as responsabilidades que têm com essa população. “Nós temos povos indígenas que têm dificuldades com a língua portuguesa, justamente por sua característica cultural. E por esse motivo há necessidade de um acompanhamento”, avalia.

“Se a gente levar para uma realidade histórica, você percebe que os índios foram conseguindo espaço dentro de um diálogo específico deles. Então, as instituições iam para o interior do aldeamento e as lideranças é que falavam, tinha um tradutor e os órgãos eram os intermediadores. O que tem ocorrido muito, que é quando entra um novo elemento, que é a judicialização, eles são obrigados a sair das aldeias e a ter uma linguagem que já é complexa para nós, imagine para esses sujeitos”, observa.

“Tentar sensibilizar um juiz da necessidade de uma liderança poder externar suas angustias é muito complexo, porque o judiciário tem dificuldades para compreender as especificidades das demandas indígenas”.

Conforme nota da Frente Parlamentar da Agropecuária enviada ao Jornal O Estado de S. Paulo, o ofício enviado ao presidente solicitando a saída de Franklimberg Ribeiro foi uma resposta à reivindicação de populações indígenas que estariam insatisfeitas com a gestão. Ainda foi repassado que 170 líderes indígenas teriam assinado um documento que pedia a exoneração do militar.

Coordenação Regional atende mais de cinco mil indígenas

Cobrindo um grande território, a sede da Funai em Marabá atende 5.494 indígenas de 11 etnias, distribuídos em 87 aldeias. Todos os aldeamentos estão divididos entre os municípios de Mojú, Paragominas, Ipixuna do Pará, Goianésia do Pará, Bom Jesus do Tocantins, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Tucuruí, Parauapebas, Água Azul do Norte, Itupiranga, Canaã dos Carajás, Rondon do Pará, Tomé Açu, Aurora do Pará, Santa Maria e Novo Repartimento.

Segundo Eric, a Fundação tem como principais funções fazer a demarcação e fiscalização das terras indígenas, porém no período em que a unidade ficou sem coordenação, os povos ficaram precariamente assistidos.

“Esse serviço já estava sendo realizado de forma bem dificultosa, porque a Funai não tinha estrutura mínima para viabilizar as demandas, compreendendo-se as complexidades geográficas e de acesso dos aldeamentos. Isso porque você tinha que contar também com o apoio de outras instituições como a polícia federal e o próprio exército”, declara. “Com o distanciamento da Funai, foram cometidos crimes ambientais, exploração de madeira e o garimpo em territórios indígenas se intensificou de duas formas: por intimidação ou por aliciamento de lideranças indígenas”, ressalta.

Conflitos internos

Várias separações vêm sendo observadas dentro das aldeias nos últimos tempos, a exemplo da etnia Gavião, localizada na Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins. Eric observa que as divisões são naturais, visto que antes elas eram feitas para proteger o território. “Mas tem sido inseridos alguns elementos que possibilitam outras ações internas nos aldeamentos. Inclusive, a ponto de ocorrer divergências que acabam por ocasionar separações consanguíneas, agravantes ocorridos principalmente pelo distanciamento dos órgãos indigenistas e demais parceiros, deixando os indígenas à sua própria sorte”. 

(Nathália Viegas)

Faltando dois dias para as comemorações do Dia do Índio, celebrado nesta quinta-feira (19), o presidente Michel Temer exonerou Franklimberg Ribeiro de Freitas do cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio. A decisão tomada pelo Governo Federal na última terça-feira (17), após pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional, já foi publicada no Diário Oficial da União e a previsão é que o gestor demissionário da Funai deixe a posição até a próxima semana. A exoneração acontece em meio à Semana do Índio ou Abril Indígena, evento realizado em Brasília durante todo este mês com o intuito de dar visibilidade a questão dos povos indígenas do País.

Franklimberg ocupava a presidência da fundação desde janeiro de 2017, é militar e de origem indígena. No início da semana, ele havia declarado à Agência Brasil que o órgão federal precisava de mais orçamento e servidores para dar conta das demandas. A queixa tem base, uma vez que em março do ano passado Temer havia determinado a extinção de 347 cargos comissionados da Funai e várias unidades foram fechadas no país.

Para estudiosos e conhecedores da causa indígena, o Governo Federal vem realizando ataques aos direitos desses povos e defendendo um modelo de “desenvolvimento” contrário aos direitos da massa remanescente de etnias em várias regiões.

“O que a gente observa é uma nova relação que se está tendo entre o Estado Brasileiro e as populações indígenas. Não é de agora, na verdade já tem um considerável período que esses ataques estão acontecendo, junto àquilo que a sociedade em geral compreende como um entrave ao desenvolvimento. E os indígenas estão no espaço compreendido como um dos mais ricos, dentro de um contexto histórico de exploração, de um desenvolvimento que o Brasil compreendeu para si”, explica Eric de Belém, ex-coordenador da unidade Baixo Tocantins da Funai, com sede em Marabá.

#ANUNCIO

Ele observa que existem duas compreensões de desenvolvimento no país que vem se chocando nos últimos tempos. Uma, representada pelas grandes empresas e pelo governo; e a outra pelos indígenas. “Só que ocorre um desnivelamento, porque o poder que os indígenas têm para combater esse Estado Brasileiro, por meio das instituições que têm o papel de defendê-los, acaba por legitimar a agressão a esses direitos. Isso já tem se intensificado desde 2012, mas agora se agravou com as medidas adotadas pelo governo Temer, que representam uma afronta aos direitos, chegando a proporções extremas de assassinatos cometidos por jagunços, grileiros e madeireiros dentro das áreas indígenas”.

Enfraquecimento

Segundo Eric, que trabalhou 14 anos na Funai em Marabá, as próprias instituições federais criadas para defender os interesses desses povos vêm sendo enfraquecidas, usando como exemplo o último corte de mais de 300 servidores realizado na fundação. O cargo de coordenador regional que ele ocupava foi um deles, deixando a unidade local um ano inteiro sem representante.

Apenas no último mês, José Ricardo Tortore foi nomeado para assumir a coordenação de Marabá. Eric também disse ter estranhado a demora na nomeação, porque a região é marcada por conflitos e visada para receber grandes projetos e empreendimentos.

“Se formos analisar o último concurso da Funai, você se depara com um número pífio de vagas ofertadas, dentro de um órgão que já estava com uma carência enorme, não só de pessoal, mas também de estrutura e recursos”, revela. Em Marabá, cerca de 8 a 12 servidores, de um total de pouco mais de 30 funcionários, foram dispensados.

E na região, as Coordenações Técnicas Locais (CTLs) foram todas fechadas. “Àquelas comunidades que já eram atendidas de forma precária tiveram as CTLs fechadas, ou seja, a nova relação do Estado com esses povos é que, a partir desse momento, eles têm que se virar”, declara.

De acordo com ele, embora os indígenas tenham autonomia e o papel tutelar sobre eles não seja necessário desde a Constituição de 1988, esse quadro não isenta os governos brasileiros de cumprir as responsabilidades que têm com essa população. “Nós temos povos indígenas que têm dificuldades com a língua portuguesa, justamente por sua característica cultural. E por esse motivo há necessidade de um acompanhamento”, avalia.

“Se a gente levar para uma realidade histórica, você percebe que os índios foram conseguindo espaço dentro de um diálogo específico deles. Então, as instituições iam para o interior do aldeamento e as lideranças é que falavam, tinha um tradutor e os órgãos eram os intermediadores. O que tem ocorrido muito, que é quando entra um novo elemento, que é a judicialização, eles são obrigados a sair das aldeias e a ter uma linguagem que já é complexa para nós, imagine para esses sujeitos”, observa.

“Tentar sensibilizar um juiz da necessidade de uma liderança poder externar suas angustias é muito complexo, porque o judiciário tem dificuldades para compreender as especificidades das demandas indígenas”.

Conforme nota da Frente Parlamentar da Agropecuária enviada ao Jornal O Estado de S. Paulo, o ofício enviado ao presidente solicitando a saída de Franklimberg Ribeiro foi uma resposta à reivindicação de populações indígenas que estariam insatisfeitas com a gestão. Ainda foi repassado que 170 líderes indígenas teriam assinado um documento que pedia a exoneração do militar.

Coordenação Regional atende mais de cinco mil indígenas

Cobrindo um grande território, a sede da Funai em Marabá atende 5.494 indígenas de 11 etnias, distribuídos em 87 aldeias. Todos os aldeamentos estão divididos entre os municípios de Mojú, Paragominas, Ipixuna do Pará, Goianésia do Pará, Bom Jesus do Tocantins, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Tucuruí, Parauapebas, Água Azul do Norte, Itupiranga, Canaã dos Carajás, Rondon do Pará, Tomé Açu, Aurora do Pará, Santa Maria e Novo Repartimento.

Segundo Eric, a Fundação tem como principais funções fazer a demarcação e fiscalização das terras indígenas, porém no período em que a unidade ficou sem coordenação, os povos ficaram precariamente assistidos.

“Esse serviço já estava sendo realizado de forma bem dificultosa, porque a Funai não tinha estrutura mínima para viabilizar as demandas, compreendendo-se as complexidades geográficas e de acesso dos aldeamentos. Isso porque você tinha que contar também com o apoio de outras instituições como a polícia federal e o próprio exército”, declara. “Com o distanciamento da Funai, foram cometidos crimes ambientais, exploração de madeira e o garimpo em territórios indígenas se intensificou de duas formas: por intimidação ou por aliciamento de lideranças indígenas”, ressalta.

Conflitos internos

Várias separações vêm sendo observadas dentro das aldeias nos últimos tempos, a exemplo da etnia Gavião, localizada na Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins. Eric observa que as divisões são naturais, visto que antes elas eram feitas para proteger o território. “Mas tem sido inseridos alguns elementos que possibilitam outras ações internas nos aldeamentos. Inclusive, a ponto de ocorrer divergências que acabam por ocasionar separações consanguíneas, agravantes ocorridos principalmente pelo distanciamento dos órgãos indigenistas e demais parceiros, deixando os indígenas à sua própria sorte”. 

(Nathália Viegas)